Filme A Vida É Bela e o Humor

Ao passo que o filme ‘A Vida é bela’ se constitui – inegavelmente – como uma obra prima esplêndida da cinematografia mundial, a característica do humor, supreendentemente presente em um cenário tão caótico, sendo este possivelmente o pior cenário da história da humanidade, chama a atenção de uma forma abissal, e inspira gerações sobre como manter a esperança. Assim sendo, este artigo/post tem a premissa básica de abordar como o humor é uma característica vital para a saúde mental, através de argumentos baseados na abordagem psicológica da Logoterapia.

Contudo, este autor que vos fala não irá se deter em explicativas relacionadas as narrativas do longa-metragem, cena por cena. Ao invés disso, uma única cena servirá de cerne para as considerações que virão a seguir, a fim de explanar a importância do humor no cotidiano da vida em geral.

O Humor Explicado pela Logoterapia

Segundo a Logoterapia, o humor é uma forma de autodistanciamento importante para lidar com as questões da vida que se apresentam diante do ser humano. Assim sendo, é através do autodistanciamento que um indivíduo pode se distanciar de um hipotético problema, para assim lidar com este de forma mais clara e objetiva, culminando em uma reação mais adequada diante do todo. Portanto, o humor é uma ferramenta poderosa para quebrar padrões rígidos, e dessa forma, permite ao ser humano a possibilidade de ver algo por novas perspectivas, saindo da imersão sufocante proporcionada por um determinado conflito, problema ou trauma.

Ademais, essa capacidade de humor está atrelada à uma noção de plenitude que só é possível mediante um funcionamento adequado das instâncias ontológicas do ser humano, em conformidade com aquilo que é mais elementar. A grosso modo, significa dizer que alguém bem humorado só o consegue ser se ele estiver saudável existencialmente, e a partir daí o biológico e psicológico. Todavia, espiritualidade não significa necessariamente religiosidade, o que implica uma explicativa a seguir a respeito dos dois conceitos dentro da Logoterapia.

Diferença Entre Espiritualidade e Religiosidade

Segundo Cortella (apud. Junger) 2019, a espiritualidade é “a recusa de que a vida se esgote em materialidade, numa existência que tem sentido em si mesma”, o que implica dizer que a espiritualidade é ir além do físico, do objeto por si mesmo, transcendendo de alguma forma a este. Dentro da Logoterapia, existe a noção de que a autotranscendência da existência humana é fundamental para que um ser humano seja autêntico, e tal autenticidade se liga a uma vivência saudável com o outro, dirigindo-se a ele com intencionalidade. Logo, a dimensão dos fenômenos humanos, a qual engloba a subjetividade de uma forma geral, e que é intitulada como dimensão noética, nada mais é do que a espiritualidade a partir do que este autor acabou de supracitar. Então, se a espiritualidade se refere a tais premissas, o que seria então religiosidade?

A religiosidade por sua vez, também implica uma transcendência do mundo material. Todavia, se relaciona com uma manifestação de fé atrelada a algum tipo de abordagem ou doutrina religiosa. Assim sendo, a religiosidade pode ser compreendida como uma ramificação da espiritualidade. Isso porque esta também está imbuída de fé e esperança, mas não representa necessariamente nenhum tipo de dogma ou de algo pré-estabelecido nesse sentido. Dessa forma, um indivíduo espiritualizado não necessariamente será religioso, e vice-versa, diante do fato de que, segundo Cortela apud. Junger (2019), “a espiritualidade pode ser compreendida como uma propensão constante em buscar significados por meio de conceitos que transcendam o tangível […]”, e tais conceitos não precisam ser dogmáticos.

Umbigo! E o Humor Aplicado

Mas então, o que tudo isso tem a ver com ‘A Vida é bela’, e com esse texto de um modo geral? Simples: É a espiritualidade aflorada que garante a possibilidade e aplicar o humor como ferramenta terapêutica, o que na prática é uma forma erudita de se dizer que não se deve levar a vida tão a sério. No filme, o personagem Guido (Roberto Benigni) é uma expressão poética e até um tanto utópica dessa espiritualidade aflorada, onde o humor e a leveza imperam mesmo diante do caos total da guerra. Assim sendo, pode ser importante para muitos entender que a plenitude pode vir de diversas formas, e independe de suas crenças, o que significa que mesmo um ateu pode ser assim, e dessa forma empreender o humor para assim atribuir sentido à sua vida, mesmo que não perceba o mundo nestes termos.

Juntamente com tudo isso, vem a cena que este autor quer destacar aqui: A cena do Umbigo! Trata-se do momento em que Guido se passa pelo inspetor de Roma para ir até a escola encontrar sua amada Dora (Nicoletta Braschi). Através do humor, Guido consegue ser criativo e assim consegue – ainda que este tenha tido uma atitude controversa de se passar por alguém – ativar todas as suas potencialidades em prol do amor a Dora.

Diante do desafio de explicar por que “uma raça seria superior a outra”, ele se vale do humor para atravessar a situação, e transformar momentaneamente um principio de tragédia em triunfo, em riso (das crianças e de sua amada). Guido não conseguiu vencer o nazismo, mas salvou uma criança, e inspirou sua Amada, o que tornou sua vida significativa, ainda que breve, e perpetuou seu amor entre gerações.

Conclusão

Mas, isso é só ficção, e não existe um paralelo desta história na existência humana como um todo, não é mesmo? E se este autor disser que existe? Talvez sem a poesia, sem os exageros, sem o otimismo de Begnini, mas existe. Quem sabe com apenas um “otimismo trágico”, mas existe. E não só existe, como todo esse texto gira em torno da teoria deste que sobreviveu ao holocausto, e fez disso seu primordial sentido de vida através de uma abordagem psicológica: Viktor Emil Frankl.

Portanto, saibam que o humor é o tempero da vida, e é importante que se pense objetivamente nele, não o utilizando como deboche ou como Bullying, mas aplicando isso com leveza e como forma de responder aos desafios que a vida impõe. Assim sendo, rir das desgraças da vida, compreender que o sofrimento é uma parte inerente da existência, e ao menos tentar reagir a isso de forma bem humorada, são pilares para alcançar a saúde mental que tanto falta no cotidiano. Dessa forma, traumas, conflitos e transtornos, podem ser contornados e mesmo curados de alguma maneira. E tendo tudo isso em vista, fica claro que, de fato, rir é o melhor remédio de todos.

Referências

CORTELLA, Mario Sérgio. Qual a Tua Obra?: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.

OLIVEIRA, Edson Marques; FALCÃO, Guilherme; RABUSKE, Sheila M. H.; (Orgs.). Logoterapia e Analise Existencial: Saberes, atitudes e esperança no afrontamento de crises do sofrimento humano. Paco Editorial, 2021.

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Diego Henrique Dos Santos

Psicólogo | CRP 03/30093 | Formado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF | Escrevo sobre os mais diversos assuntos relacionados a saúde mental, a partir de duas abordagens: Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) e Logoterapia.