Uma Fábula – Psicodrama e Palhaçaria
Diante de um espelho ela contemplava. Face branca, olhos castanhos, um pouco vazios, talvez… profundos? Aquele encontro estava marcado há anos, mas ela nunca se sentira preparada… Lá fora o barulho dos carros zunia. Ela bem que queria estar no mato. Com sons de pássaros e o vento brincando com seus cabelos. Essa era uma de suas expressões favoritas, porque “brincando com seus cabelos” lhe remetia à época de criança, onde tudo era brincadeira e nada era pouco importante.
Ela chegou! Linda, de vestido cor de rosa, como uma fada, de sorriso fácil, cabelos soltos, olhos brilhantes, profundos. Num abraço ambas se reconheceram, o vazio e a profundidade, o brilho e o comum, ambas eram uma […]. Os seres humanos não são seres divididos, matematicamente iguais, mas sim seres completos, que sem uma única parte pode se despedaçar e vir a se tornar um grande vazio existencial.
Psicodrama e o Universo Artístico
O encontro do ser humano com seu próprio eu, é um tema bem explorado em filmes, séries, livros, músicas, enfim, a arte está cheia de tentativas para entender, poetizar e até mesmo promover esse encontro.
Dentro do universo artístico – ao explorar esse tema – a palhaçaria está ganhando cada vez mais espaço, principalmente quando se fala de sua aplicação pessoal. O Clown, ou lado palhaço de cada um, é uma expressão pura e exagerada de quem cada um é, essencialmente. O processo para se chegar até o Clown, é terapêutico, doloroso e recheado de enfrentamentos.
Psicodrama, Palhaçaria e a Ação
Assim sendo, esse caminho exige, acima de tudo, um autoconhecimento e abertura ao outro. “FOCO, INTERESSE E AÇÃO”, são as instruções do primeiro exercício para se abrir ao outro e se perceber nesse contato. Diante disso, esse exercício consiste em: abrir bem os olhos e olhar ao redor buscando olhares; encontrar um; demonstrar interesse; e finalmente agir em direção a pessoa, para que troquem de lugar. Esse é um exercício que parece simples, mas ao ser realizado já revela muito sobre quem o faz e como o faz. Dessa forma, seu ponto alto é a culminância da ação, porque ela resulta de todo o processo de ver o mundo, encontrar um outro, entender a sua abertura e a desse outro, e só a partir daí os dois agem juntos, para que assim juntos comecem a brincar, e a se transformar e modificar o outro. Portanto, a palhaçaria é a arte do encontro.
Espontaneidade e Criatividade
Parece bem reflexivo, e de certa forma é. Porém, o mais interessante é que se a palhaçaria é a arte do encontro, o Psicodrama é então o encontro da arte com a Psicologia. Assim sendo, torna-se válido explicar os fundamentos desta última. O Psicodrama é uma linha de pensamento e intervenção criada por Jacob Levy Moreno, e este era um apaixonado pelo teatro. Ele também era um médico, assim como o Patch Adams para a Palhaçaria de hospital. O encontro entre as duas linhas já começa nas suas origens. Ao seu modo, cada um percebeu o quanto o bom humor e o acolhimento aos outros estavam próximos.
Nesse sentido, o Psicodrama, discute e redescobre a Espontaneidade e a Criatividade, ambas complementares, tendo assim ambas a necessidade de atuarem juntas. As duas são ferramentas de interação que permitem aos indivíduos conhecerem uns aos outros, em sua essência e plenitude para assim, de quebra, aumentar o autoconhecimento, ou melhor dizendo, o autoconhecimento enquanto se conhece outrem. Assim, o ser humano se diferencia e aprende ao estar com o outro no aqui-e-agora, aprendendo também sobre como usar suas habilidades e artefatos culturais a partir de inspirações que evoquem o melhor de si no encontro.
As Conservas Culturais
A Espontaneidade e a criatividade estão, atualmente, ocultas pelas amarras sociais. Moreno percebe as crianças como muito espontâneas e criativas, e entende que essa é a forma como elas se ajustam e se expressam no meio. Porém as conservas sociais nos fazem perder um desses elementos ou ambos. Assim sendo, os resultados disso é que as pessoas se tornam em uma sociedade como esta, adultas inexpressivas, ou sem criatividade. Ou ainda pior, tornam-se sombras vagando pelo celular, através de cliques nas telas, não conseguindo mais diferenciar se o que estão vendo trata-se de uma cobra engolindo um elefante, ou um simples se é um óbvio chapéu.
Todavia, a verdade é que existe em cada um dos seres humano esses mecanismos de movimento, e cada um ao seu modo precisa descobrir ou redescobrir essas habilidades. Alguns encontram esse movimento na palhaçaria, outros encontram no teatro, uns outros no psicodrama, e ainda outros na escrita, etc. Existem muitos caminhos para esse retorno ao estado natural, ou melhor dizendo, para a construção desse estado natural, afinal, não é porque é natural que é fácil ou já vem pronto.
Psicodrama: A Fusão Suprema entre a Psicologia e a Arte
Sob o mesmo ponto de vista, os encontros entre a arte e a Psicologia são antigos, tão antigos quanto a arte, tendo em vista que a arte é uma expressão e tentativa de expor aquilo que os seres humanos tem de mais íntimo, de mais intenso […]. Por isso ela abriu os olhos para um novo mundo, assim que saiu daquele abraço, porque tudo estava mais vivo, mais colorido, tudo era estranhamente novo e impressionantemente atraente. Seu semblante era como o de uma criança que pela primeira vez viu um parque de diversão, cheio de luzes e cores, e a sua respiração falhava um pouco, com sua boca estava aberta num sorriso brilhante. Não era um show musical onde todos cantam e dançam, mas os musicais não existiriam se em alguns momentos as pessoas não se sentissem assim, certo?
Conclusão
Por fim, fica o convite a você, caro leitor, a redescobrir teu lado espontâneo e criativo, pois como diria o C. S. Lewis: “Um dia você será velho o bastante para voltar a ler contos de fadas.” E eu te digo, um dia você será maduro o bastante para voltar a brincar e se descobrir de novo, enquanto uma criança adulta.
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Psicólogo | CRP 03/30093 | Formado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF | Escrevo sobre os mais diversos assuntos relacionados a saúde mental, a partir de duas abordagens: Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) e Logoterapia.